quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dedidê



Delírios, estão sentados no banco ao pé e à sombra daquele velho abacateiro, sentados estão lado a lado, a criança e o ancião. Neto e avó, este primeiro faz um comentário depois de ver o avó com o queixo afundando no peito, os ombros caidos, com os braços estendidos e as mãos sobre as coxas:
- Vovô, hoje li num livro lá na escola que certa vez, há muito tempo, ouve um deus, eu nao sei bem o que é um deus, mas a professora falou que é alguém que ama e cuida de todos nós. Então, no livro tinha uma frase que dizia: deus amou os pássaros e criou árvores, o homem amou os pássaros e criou gaiolas. Daí, essa frase me fez pensar em coisas. (silencio) Vovô, por que tudo aquilo que o homem ama ele quer só pra si, não divide com os outros, é sempre egoísta e mesquinho? Hein vovô, por quê?
O velho apenas mantem sua postura, e continua olhando pro chao, como se fervilhasse velhas lembranças em sua velha máquina de pensar. O garoto começa a observar o lago em frente a casa, ve ao longe alguns patos que mergulham e depois voltam a superfície, parece uma família, a mãe e seus filhotes. O avô continua silencioso, pensativo.
- Ei, vovô, o senhor ja teve algum pássaro? Sim, daqueles que cantam bem alto, daqueles que cantam tao bonito apesar de estar preso numa gaiola sem ter feito mal nenhum. Seu único mal foi ter nascido com o dom de agradar a um certo homem, e esse homem aprisioná-lo em funçao desse amor. Hein vovô, você ja teve um pássaro?
- Uma vez eu tive um meu filho, mas ao contrário de muitos, eu o tinha livre. Quer dizer, eu nao o tinha,era ele que me tinha, pois ele nao vivia numa gaiola, vivia livre. Sempre que eu estava na cozinha preparando o café da manhá,ele pousava na janela e começava a me observar, e de repente acompanhando o som do rádio ele começava a exercitar a sua dádiva, começava a cantar. Cantava bem alto e bem forte, entre um canto e outro, ele esticava suas asas, se exibia, se orgulhava de toda sua liberdade, de possuir asas e poder voar. Foi assim por muito tempo.Muito tempo.
- Poxa, que bacana vovô!!!
Depois desse discurso o velho se levanta com dificuldade, como quem ja se cansou de carregar por ai esse velho corpo, cheio de marcas e cicatrizes. Ele se dirige para o pequeno cais que há ali perto. A tarde aproxima do seu fim, o sol ja se enfraquece e tem apenas um tom alaranjado, melancólico e decadente, assim como aquele ancião, que agora observa o seu reflexo no espelho da água.
A mãe do garoto surge na janela da casa e grita:
-Meu filho, venha tomar seu banho, ja esta anoitecendo, se apresse que seu pai está por chegar!
O garoto da mais uma olhada na direçao do avô, e segue as ordens de sua mãe.
Sim, aquele homem ja teve um pássaro, mas ele havia mentindo pro garoto,ele fazia isso sempre, gostava de contar suas experiências, mas sempre dava um toque de romântismo e poesia pros seus discursos. O pássaro que ele teve tinha lindos olhos castanhos, cabelos longos, um sorriso apaixonante. Aquilo havia acontecido há muito tempo, muito tempo.
Por Fabio Silva.

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