Era só o que me faltava, uma alucinação, um pivete me dizendo que veio do futuro, e que tem algo a me dizer. Que porra é essa?!Depois de tanta coisa que eu passei, vou terminar a merda da minha vida num daqueles (depósitos de malucos) manicômios sórdidos e fedorentos? Vá-lá, o que veio fazer aqui, seja você quem for e venha de onde vier! Nosso grande homem pega nos braços do garoto, olha no fundo de seus olhos, o garoto parece sorrir, está calmo, sereno, ao contrário do andarilho, que se encontra irritadiço. Pois bem, ponho-me a cumprir minha missão, preciso lhe dizer sobre o futuro, e também sobre o passado. Por favor, me solte, vamos da uma volta, será mais fácil pra mim se caminharmos lado a lado, assim fugirei do seu olhar, ele me fustiga, intimida, dói. O nosso homem não pega o seu saco, apenas se levanta e põe-se a caminhar ao lado do garoto, esqueci de descrever nosso herói como um ser alto e magro embora lhe restasse alguns feixes de músculos pelo corpo, afinal ele trabalhou duro durante toda a vida. Pois bem, você deve estar se perguntado várias coisas a me respeito, mas de antemão lhe previno que isso não é importante, por hora essas são suas menores preocupações. Não se importe se eu sou ou não real, se venho daqui ou da li, como tudo na sua vida, o sempre caminhar dos fatos, o sempre acontecer das coisas na sua vida, eu sou algo que você não buscou, não procurou, não pediu aos deuses para que acontecesse, eu simplesmente surgi na sua frente, e agora você vai ter que ser ver comigo. Eu lembro como se fosse ontem dos acontecimentos de nossa infância, quando aquele miserável chegava bêbado em casa, com os olhos perdidos, punha-se a insultar, ofender, chingar, e esculachar de todas as formas você, sua mãe e seu irmão. Ah meu garoto, eu me lembro como se fosse ontem, afinal, a cicatriz ainda persiste em doer, eu ainda ouço aqueles gritos miseráveis, ressoando na minha cabeça, fazendo nossas mãos tremerem debaixo desse céu amargo. Foda-se, você sabe disso melhor do que eu. Oh, por quais caminhos você seguiu, por que ruas você se embrenhou, quantas pessoas passaram em sua vida, lhe emocionando, lhe trazendo boas novas, trazendo esperança, mesmo não acreditando mais em um deus onipresente e onipotente, eu me lembro dessa época também, a nossa renúncia ao todo-poderoso, hahahahha, cuspindo na face sagrada de deus, como fomos ousados, nos aliamos às más companhias e aos bons livros, foi reconfortante, como foi. Detenho-me a falar das pessoas que passaram na nossa vida. Antes de continuar, quero lhe esclarecer sobre esse meu modo de falar, sempre em terceira pessoa, sempre falo "nós" quando me refiro a acontecimentos de sua vida. Todavia, meu discurso se configura desta maneira pois eu também estava lá com você, embora você não me visse, eu estava presente, em tudo que acontecia com você. Não eu não sou um miserável anjo da guarda - o garoto cospe ao chão com um ar de asco - por favor, sem falsa demagogia, sempre soubemos que isso era baboseira, crer na existência de um ser angelical, que tem a miserável missão de nos melhorar a sorte e nos proteger dos inevitáveis males da vida, que merda, eu não quero um função dessa pra minha vida, se por um acaso eu nascesse um anjo, iria foder todas as querubinhas do paraíso - longa risada sarcástica. Não, eu não era nada dessa baboseira, eu era o quê afinal? Não se apresse em encontrar respostas, afinal, sua vida inteira foi um culto à dúvida, ao talvez, ao "e si", mais importante era fazer as perguntas, e não se apressar com as respostas. Estou falando demasiadamente não é mesmo? estás irritado, estou vendo pelos seus olhos, sempre decifrei tão bem seu olhar, sou tão íntimo das suas emoções. O homem interrompe o discurso do garoto, o fedelho estava errado, aquela conversa toda estava agradando nosso homem. Com um ar de desdenho e descrença o homem proferiu as seguintes palavras. Então quer dizer que você estava comigo o tempo todo e não era meu famigerado anjo da guarda? Interessante. Que merda é você então?
Continua...
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