Me disseram certa vez que é impossível medir a dor, o quão uma pessoa é infeliz, o quanto ela pode suportar um sofrimento sem sucumbir a ele. Não dá. Não dá. Nunca vi tanto sangue na minha vida, espalhado por todo o quarto, pelas paredes, pelo teto, disseram que o um tiro de 12 fazia muito estrago, eu nunca tinha imaginado o quanto. Era domingo, como sempre, tediosos e infernais domingos. Desde sempre, era a mesma história, os mesmos fatos, os mesmos acontecimentos, mas naquele domingo foi diferente, ele não quis mais essa merda toda, preferiu dizer NÃO, BASTA, JÁ NÃO QUERO MAIS. Disseram-me que foi loucura, excesso de idéias na cabeça, mente fraca dirão outros, mas só ele sabia e conhecia as lágrimas que estremeciam sua alma. Afinal quem mais conhecia os motivos pelo qual sua mão trêmula e úmida titubeavam diante de tantos fatos, tantos fatos banais ele evitava, se atrapalhava, enfim, motivos ele tinha vários. Eu fui a primeira pessoa a ver a cena, no seu último momento ele coloco o cano da arma na sua frente, e em seguida aperto o gatilho. Não estava bêbado, ou sob efeito de qualquer outro tipo de droga, plenamente lúcido e sóbrio, somente a dor extravasava seu limite suportável, era muita, sem sentido, sem porquê, todo dia, toda hora, sem namorada, sem amigos, nem por livros ele se interessava ultimamente, aqueles mesmos livros e autores que evitaram que ele desse cabo da vida anos antes. Se me perguntarem, direi que ele não suportou ver a progressiva decadência de seu herói. Eu minto, me perdoem, ele tinha sim uma namorada, linda por sinal, meiga, gentil, simpática, adorável, que dedicava muito amor a ele, o essencial de que um homem precisa pra suportar o peso da existência. Também tinha amigos, colegas, parceiros, ele de fato se sentia só as vezes, mas tinha companhias diversas. Em casa tinha boa comida, boas roupas, eletrodomésticos, luxo. Mas mesmo assim ele fez aquilo. Eu convivi toda minha vida com ele, afinal eu era o irmão mais novo, ele viera primeiro a esse “mundo de merda”, como ele mesmo dizia. Eu nunca suspeitei que ele viesse a ter a ousadia de tirar sua própria vida. Sempre foi tão pacato, sempre passivo, levava desaforo pra casa, se um cachorro latisse pra ele na rua, mudava de calçada, na escola agüentava a chacota do colegas e nada fazia, nada falava, não se defendia. Eu não o acho um covarde, pelo contrário, tem quer ser muito corajoso pra comprar sua passagem pro inferno, aliás, passagem só de ida. Certa vez vi uma frase no seu caderno de anotações, era de um filósofo alemão, dizia mais ou menos assim; “ninguém tem o direito de tirar a vida de outra pessoa, mas também não temos o direito de tirar essa liberdade da própria pessoa de decidir sobre a hora de sua morte”. Creio que ele teria um futuro brilhante pela frente, era estudioso, se ocupava com assuntos relevantes, estava na faculdade, ganhara do governo uma bolsa de estudo, iria se formar em 1 ano. Creio também que ele se recusou a ver a decadência daquele que tanto admirava, tanto amava, aquele que era um herói, fonte de identificação, modelo. Por esse lado eu penso que ele foi fraco, sim, foi fraco, se eu pudesse dizer algo pra ele, diria que nem tudo que nos acomete foi escolha ou procura nossa, tantos as dádivas quanto as desgraças. Se você procurar bem, verá que as coisas melhores e piores que aconteceram com você, não teve qualquer relação direta com seu maiores esforços, foram fatos que simplesmente aconteciam e que exigia da gente trabalho e uma posição diante dos fatos, somente isso, por mais doloroso e custoso que era aquilo.
Chega de baboseira, agora é tarde, seu tempo aqui se esgotou, ele mesmo deu cabo do seu relógio de vida, com um tiro, na cabeça, certeiro, já estará agora prestando contas a lúcifer. Que sua história lhe eternize meu irmão. Todo homem é finito por sua natureza, mas por suas idéias e feitos, ele pode se tornar imortal.
Até breve mano.
Abraço.
Por Fabio Silva
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